Pulp magazines: as raízes de uma literatura febril
- Tramatura
- há 4 dias
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Histórias rápidas e baratas que fundaram a cultura pop: Sem as revistas pulp, cinema, televisão, literatura e quadrinhos não seriam os mesmos

No final do século XIX e início do século XX, enquanto as grandes editoras se ocupavam em publicar os romances de prestígio e a alta literatura, uma outra forma de contar histórias ganhava força nos Estados Unidos — nas bancas de jornal, nas prateleiras mais populares de charutarias e lojas de conveniência, no fundo dos bolsos dos operários. Nascia ali a literatura pulp, uma vertente explosiva, barata e apaixonada da ficção popular, feita para entreter com intensidade, alimentar a imaginação e, principalmente, vender.

O nome “pulp” vem da polpa de madeira usada no papel barato e grosseiro dessas revistas, que amarelava rápido e esfarelava com o tempo — mas as histórias impressas nelas eram de combustão lenta, incendiando a mente dos leitores por décadas a fio. Os primeiros títulos surgiram por volta da década de 1890, mas o formato se consolidaria mesmo nos anos 1910 e 1920, com editoras como a Street & Smith e a Popular Publications. As revistas pulp traziam contos curtos, novelas e séries episódicas que cobriam uma miríade de gêneros: ficção científica, horror, faroeste, romance policial, fantasia, aventura exótica e histórias de detetive.
A literatura pulp era o contrário do que a crítica literária da época respeitava: exagerada, frenética, escapista, comercial. E talvez por isso tenha sido tão importante. Foi nela que surgiram personagens icônicos como Tarzan, de Edgar Rice Burroughs, Conan, o Bárbaro, de Robert E. Howard, Doc Savage, The Shadow e tantos outros que moldariam o imaginário do século XX e serviriam de base para a cultura pop que hoje habita os cinemas, os quadrinhos e as séries de streaming.
Ao abrir uma edição pulp, o leitor não esperava sutilezas. Esperava mundos perdidos, monstros em cavernas tropicais, detetives durões com passado nebuloso, cientistas loucos desafiando os limites da razão, mulheres fatais e heróis trágicos. A linguagem era rápida, os ganchos abundantes, os títulos hiperbólicos: O Horror do Abismo, O Planeta dos Homens-Gato, O Culto da Serpente Esmeralda. Era uma literatura que reconhecia o leitor como cúmplice, não como discípulo. E por isso conquistava.

No auge de sua popularidade, entre as décadas de 1920 e 1940, as revistas pulp publicavam nomes que hoje estão nos cânones da literatura fantástica: H.P. Lovecraft, Ray Bradbury, Dashiell Hammett, Fritz Leiber, Isaac Asimov, Leigh Brackett, C.L. Moore. Muitos deles começaram ali, vendendo seus primeiros contos por alguns trocados a editores famintos por histórias impactantes. Mais do que um celeiro de talentos, as pulp magazines funcionaram como uma espécie de laboratório narrativo onde estilos, formatos e estruturas eram testados sem medo — um terreno fértil para a criatividade bruta.
Com o passar das décadas, o declínio da literatura pulp foi inevitável. A chegada da televisão, o encarecimento do papel e a mudança no gosto do público deslocaram a atenção para outros meios. Mas as histórias permaneceram. Os gêneros que foram popularizados nas pulp magazines migraram para os quadrinhos, para os romances de bolso, para o cinema de série B e, mais tarde, para os blockbusters. A estética pulp — colorida, exagerada, carregada de ação e maravilhamento — nunca deixou de existir. Apenas se metamorfoseou.
Hoje, revisitar o espírito pulp é também redescobrir uma liberdade criativa que muitas vezes parece perdida na literatura contemporânea. Uma liberdade que privilegia o enredo envolvente, o ritmo veloz, o fascínio pelo estranho e pelo impossível. É com esse espírito que a Tramatura decidiu retomar a tradição das revistas pulp com as três coleções que homenageiam e (por que não?) reinventam o gênero:
Científica Ficção é a ponte para o futuro imaginado pelos visionários do passado. Uma coletânea de contos clássicos e novos autores que exploram robôs com sentimentos, civilizações em decadência, realidades alternativas e dilemas éticos em um universo em expansão. Bradbury, Simak e Campbell dividem espaço com vozes brasileiras que bebem na mesma fonte de espanto e invenção — sim, a partir da segunda edição nós sempre trazemos um autor nacional para nossos leitores conhecerem.
Gritos de Horror, por sua vez, traz de volta
o frio na espinha, o rangido na porta, os pactos profanos e os pesadelos que sussurram no escuro. Uma seleção que transita entre o horror gótico, o sobrenatural, o grotesco e o psicológico, com narrativas que remetem a Poe, Lovecraft e ao horror popular dos anos 1950. É uma ode aos contos malditos — e aos leitores que os amam. E também, desde seu primeiro número, tem a honra de apresentar um autor nacional em suas páginas, dividindo a casa com medalhões inquestionáveis como Robert Bloch, August Derleth, Algernon Blackwood, Arthur Conan Doyle, Robert E. Howard...
Fantástica Aventura fecha o triângulo com espadas, relâmpagos e territórios inexplorados, mas também com mistérios mundanos, detetives cínicos e famme fatales. Nessa coleção, os leitores encontram arqueólogos malditos, piratas de um tempo esquecido, reinos subterrâneos, guerreiros solitários e civilizações perdidas. Herdeira direta das páginas da Adventure Magazine e da Black Mask, essa série é um convite para voltar a sentir o prazer da jornada, da aventura, do desconhecido!
Com essas três linhas, a Tramatura não apenas celebra o passado da literatura pulp — ela o renova. Faz do antigo algo vivo, vibrante e atual. Porque no fim das contas, o que pulsa na literatura pulp é o mesmo que pulsa em todo grande conto: a vontade de contar uma boa história. E de ouvir outra logo em seguida.