Álvares de Azevedo
- Jefferson Sarmento
- há 4 dias
- 3 min de leitura
O poeta que ouviu a melancolia sussurrar

Imagine um jovem de vinte anos, estudante de Direito, morando entre livros, ideias e sonhos febris em meio às sombras das arcadas do Largo de São Francisco. Um rapaz que escrevia como quem vive e vivia como quem pressentia o fim. Álvares de Azevedo é esse nome — uma das vozes mais intensas, contraditórias e fascinantes da literatura brasileira.
Nascido em 1831, em São Paulo, ele viveu rápido e escreveu como se cada linha fosse uma despedida. Morreu antes dos 21, vítima de uma tuberculose que já sussurrava no peito enquanto ele ainda declamava versos em saraus e rabiscava peças teatrais nas madrugadas insones. Mas não é só a brevidade de sua vida que o torna lendário: é o que ele foi capaz de fazer com ela.
Se eu morresse amanhã, viria ao menos Fechar meus olhos minha triste irmã; Minha mãe de saudades morreria, Se eu morresse amanhã!
Álvares de Azevedo pertence à segunda geração do Romantismo brasileiro — o ultrarromantismo — marcada por uma entrega absoluta à imaginação, à morbidez, à angústia e ao desejo. Se o Romantismo já gostava de sombras, o ultrarromântico mergulhava de cabeça no abismo. E Azevedo, com seu olhar trêmulo entre o tédio existencial e a ironia escancarada, escreveu como quem senta num túmulo e ri da própria dor.
Sua poesia, reunida na célebre Lira dos Vinte Anos, é uma orquestra de dualidades. A pureza idealizada de um amor impossível vive lado a lado com a volúpia do desejo carnal. A esperança esbarra na náusea. A flor da adolescência se desfaz em crânio e caveira. Para ele, o poeta era uma alma dilacerada entre o céu e o subsolo. E é esse contraste que pulsa em cada página.
Noite na Taverna e Macário: todo o lirismo gótico de Álvares de Azevedo
Mas talvez nada resuma tão bem o gênio e o delírio de Manoel Antônio Álvares de Azevedo quanto Noite na Taverna e Macário, que a Tramatura reuniu em duas edições primorosas na Biblioteca Clássica de Espantos e Assombros. Em Noite na Taverna, o leitor adentra um espaço escuro e enevoado onde jovens libertinos — meio poetas, meio condenados — narram histórias de assassinato, incesto, vício e morte como se brindassem à decadência.
Uma noite, e após uma orgia, eu deixara dormida no leito dela a condessa Bárbara. Dei um último olhar àquela forma nua e adormecida com a febre nas faces e a lascívia nos lábios úmidos, gemendo ainda nos sonhos como na agonia voluptuosa do amor.
Já em Macário, o autor assume o palco da dúvida e da filosofia: entre um pacto fáustico e uma crítica mordaz à hipocrisia burguesa, o jovem protagonista transita entre razão e devassidão, ideal e desilusão.
Uma noite encontrei na rua uma vagabunda. A noite era escura. Eu ia pelas ruas à toa... Segui-a. Ela levou-me à sua casa. Era um casebre. A cama era um catre: havia um colchão em cima, mas tão velho, tão batido, que parecia estar desfeito ao peso dos que aí haviam-se revolvido. Deitei-me com ela.

Ambas as obras são verdadeiros tratados do desespero romântico, da ironia que ri do inferno e da beleza que se esconde nas ruínas. São também, como observa a crítica especializada, expressões de uma juventude que lia Byron, Goethe, Musset e se via como pária do próprio tempo — sensível demais para o mundo, intenso demais para viver.
Álvares de Azevedo não é apenas um autor de seu tempo. É um autor do limite. Viveu na fronteira entre o século e a eternidade, entre o sarcasmo e o lirismo, entre o livro e a lápide. Ler Álvares hoje é redescobrir o jovem que escreveu como quem sangra, que fez da literatura um espelho partido da alma humana. E que, mesmo morto há mais de 170 anos, ainda sussurra — em noites de taverna, em monólogos com o diabo ou em versos que falam de amores que não aconteceram — o medo e a beleza de estar vivo.

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