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O Brasil está lendo menos...

  • Foto do escritor: Jefferson Sarmento
    Jefferson Sarmento
  • 6 de mai.
  • 4 min de leitura

... e isso deveria nos preocupar

A imagem mostra uma pessoa em meio a livros, mas atenta a um celular
Será que a concorrência com as novas tecnologias é a única causa da decadência na leitura entre os brasileiros?

Imagine uma sala silenciosa, onde livros repousam em estantes à espera de mãos curiosas. Agora imagine essa sala ficando cada vez mais vazia. Não por falta de livros, mas por falta de leitores. Essa imagem, quase poética, é também o retrato alarmante revelado pela 6ª edição da pesquisa “Retratos da Leitura no Brasil”, divulgada em 2024. E o que ela mostra deveria nos fazer parar: para refletir, sim, mas também agir.


Os dados são duros: em 2019, 52% dos brasileiros disseram ter lido ao menos um livro nos três meses anteriores à pesquisa. Em 2024, esse número caiu para 47%. A média de livros lidos por pessoa, que era de 4,95, despencou para 3,96. E isso contando tudo — livros físicos, digitais, religiosos, de autoajuda, didáticos. Se considerarmos apenas quem leu um livro inteiro no período, o número baixa ainda mais: apenas 27% da população.


Zoara Failla
Zoara Failla, socióloga e coordenadora da pesquisa 'Retratos da Leitura no Brasil', destaca a leitura como um pilar essencial para o desenvolvimento do pensamento crítico e da cidadania.

Esse é o cenário em um país que já carece de políticas públicas consistentes de incentivo à leitura. Quando comparamos nossos índices com outros países, o abismo se escancara: nos Estados Unidos, a média é de 17 livros por ano; no Reino Unido, 15; na França, 14. Até mesmo a vizinha Argentina, com desafios socioeconômicos semelhantes aos nossos, mantém uma média de 5 livros por pessoa.


Mas o problema vai além dos números. O que está em queda não é só a quantidade de livros lidos, mas também a prática da leitura como um valor cultural, como ferramenta de compreensão do mundo, como exercício de pensamento crítico. E quando isso escasseia, o que se perde não é apenas o hábito: perde-se a possibilidade de formar cidadãos mais conscientes, profissionais mais preparados, uma sociedade mais criativa e empática.


A pesquisa revela também um Brasil desigual. A leitura é mais frequente entre os que têm mais escolaridade e renda. Quem possui ensino superior lê, em média, o dobro de quem só cursou o fundamental. As mulheres leem mais que os homens — são mais de 50 milhões de leitoras, contra cerca de 43 milhões de leitores. Ainda assim, a maioria da população brasileira permanece à margem desse universo silencioso e transformador que é o da leitura.


E por que se lê tão pouco? A resposta mais comum é: falta de tempo. Mas logo atrás vem o cansaço, a preferência por outras atividades, a falta de paciência. E, claro, a ausência de bibliotecas em muitas regiões do país. Some-se a isso a ascensão avassaladora das redes sociais e dos vídeos curtos, que sequestram nossa atenção com sua estética acelerada, imediatista — e temos o cenário ideal para o esvaziamento do hábito de ler.


Mas não é só um problema de gosto ou preferência. A leitura é uma construção social. E, como toda construção, depende de alicerces. Depende de exemplos em casa, de bibliotecas acessíveis, de professores valorizados, de livros disponíveis e de projetos contínuos que tornem a leitura algo presente e desejável na vida das pessoas.


Como lembra a socióloga Zoara Failla, coordenadora da pesquisa, ler é um ato de formação cidadã. E o escritor indígena Daniel Munduruku aprofunda: “a leitura é um engajamento”. Uma ponte entre o indivíduo e o mundo, entre a experiência e a transformação. Ler é uma maneira de criar consciência crítica. De entender o outro, de entender a si mesmo. De escolher melhor as batalhas e de perceber que, muitas vezes, não há vitória sem empatia.


Daniel Munduruku
, escritor, ator e educador indígena, defende a leitura como um ato de engajamento e transformação — uma ponte para que jovens compreendam seu lugar no mundo e construam novas realidades.

A leitura nos oferece a chance de vivenciar guerras e traumas, amores e perdas, dilemas éticos e escolhas difíceis — tudo isso sem risco real, sem dor física. Vivemos as experiências de um personagem e saímos delas mais preparados para lidar com as nossas próprias. É um treinamento emocional, ético, intelectual. E é por isso que ler importa tanto.


Nas escolas, infelizmente, a leitura ainda aparece mais como imposição do que como prazer. Apenas 30% dos estudantes dizem ler semanalmente os livros indicados pelos professores. Isso aponta para a necessidade urgente de repensar a forma como a leitura é apresentada: menos obrigação, mais convite. Mais diálogo com os interesses dos alunos, mais conexão com suas realidades.


Mas a responsabilidade não pode recair apenas sobre os ombros dos educadores. O incentivo à leitura precisa ser uma ação coletiva. Um esforço de famílias, governos, bibliotecas, editoras, criadores de conteúdo, empresas e da própria comunidade. O Brasil precisa revalorizar o livro. Precisa redescobrir o prazer de folhear páginas, de mergulhar em histórias, de se perder — e se encontrar — em meio às palavras.


Esse é o primeiro artigo de uma série que convida você a pensar junto conosco: como podemos mudar esse cenário? O que é possível fazer, enquanto sociedade, para recuperar o hábito de ler? Na próxima parte, vamos falar de ideias práticas. Algumas simples, outras ousadas, mas todas possíveis. Até lá, reflita comigo: o que você tem feito, hoje, para manter viva a chama da leitura?



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