Machado de Assis: Um Labirinto Que Ainda Não Deciframos
- Tramatura
- 4 de ago.
- 3 min de leitura

Machado de Assis não escreveu para impressionar. Escreveu para intrigar. Cada linha, cada vírgula, cada aparente simplicidade em sua prosa é uma armadilha sutil, pronta para capturar o leitor desavisado. Mais de um século depois, ainda tropeçamos nesses laços invisíveis, tentando entender como um homem que nasceu em um morro do Rio de Janeiro, sem diploma, sem salões literários, transformou-se no mais complexo dos escritores brasileiros.
E talvez a resposta esteja em seus próprios livros — todos eles. Não apenas nos romances consagrados que as escolas exaltam, mas também nas primeiras incursões, nos contos publicados no Jornal das Famílias, nos romances em que a ironia ainda era contida, sussurrada, não o grito cáustico de Brás Cubas. É aí que reside a proposta da Coleção Machado de Assis, da Tramatura: redescobrir Machado como quem percorre um labirinto. Sem pressa. Sem atalhos.
A Jornada Começa Pelas Primeiras Palavras
O projeto, que visa publicar a trajetória completa de Machado, começou pelo início. Parece óbvio, mas não é. Ao invés de saltar diretamente para os títulos que todos conhecem, a coleção nos leva ao Machado em formação, aquele que experimentava estilos, que esculpia sua identidade em meio às convenções do Romantismo.
Em Contos Fluminenses, encontramos o jovem Machado de Assis cronista da vida carioca, atento às vaidades e melancolias de personagens que poderiam ter passado por nós na rua. São histórias que impressionam ainda hoje, não por retratarem um Brasil que se foi, mas por desnudarem uma humanidade que persiste: aqui está o primeiro segredo de Machado de Assis: nós nos vemos nos sentimentos e atitudes dos personagens diante dos dilemas que a eles se apresentam.
Logo depois, com Ressurreição, seu primeiro romance, Machado testa os moldes do folhetim sentimental, mas com sutilezas que escapam aos olhos apressados. O amor, a desconfiança, o ciúme — tudo está ali, mas com um subtexto de dúvida, de hesitação, como se o próprio autor desconfiasse da sinceridade das palavras que escreve. É o começo de sua ironia sussurrada.
Já em Histórias da Meia-Noite, a máscara do contista se ajusta com mais firmeza. São histórias que flertam com os dramas e humanos de uma forma ironica e crítica, às vezes debochada, mas que, acima de tudo, reafirmam o olhar aguçado de um autor que enxerga nas entrelinhas da vida a matéria-prima da literatura.
A Coleção Como Um Fio de Ariadne
A Coleção Machado de Assis, da Tramatura, não se limita a republicar os livros. Cada volume é acompanhado de uma introdução que situa o leitor na época, no espírito e nas minúcias de cada obra. As anotações ao longo do texto não interrompem a leitura — pelo contrário, oferecem pequenas chaves para abrir portas que muitos leitores sequer percebem.
É um trabalho de curadoria atento, mas que se mantém discreto, como um guia que conhece o caminho, mas permite que o viajante descubra as paisagens por si mesmo.

Mais que uma coleção, é um convite a ver Machado de Assis de perto. A escutar sua voz nas páginas menos citadas (preparando o leitor para conhecer a plenitude que é capaz de conquistar o mundo com BRás Cubas e Dom Casmurro), a entender que sua genialidade foi sendo lapidada, texto a texto, conto a conto, romance a romance, até formar um dos escritores mais importantes da literatura universal.
Machado de Assis: Uma Descoberta em Curso
Os três primeiros livros são apenas o começo. O projeto segue em frente, com a ambição de construir um verdadeiro relicário literário, onde o leitor possa acompanhar a evolução do autor mais estudado — e ainda assim, o mais surpreendente — da literatura brasileira.
Ler Machado de Assis é um ato de descoberta. E a Coleção Tramatura é o fio condutor. O labirinto, como sempre, é todo dele.
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