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A PROFECIA, de David Seltzer

  • Foto do escritor: Jefferson Sarmento
    Jefferson Sarmento
  • 2 de jul. de 2021
  • 6 min de leitura

Direto das TRAMALISTAS, uma recomendação de leitura de um clássico do horror

Era o sexto dia, o sexto mês, a sexta hora...

Essa é uma frase que me fez gelar o sangue quando li a novelização de David Seltzer para o roteiro original que escreveu, baseado na ideia que o produtor Harvey Bernhard rabiscou em dez páginas: um filme sobre o anticristo! A referência à marca do demônio no Livro do Apocalipse está nas primeiras páginas do livro – eu ainda era um adolescente de dezesseis anos quando devorei, cheio de medo e assombro, as suas duzentas páginas. Por alguma razão...

(não, não há nada de racional aqui, foi por medo mesmo, porque histórias de possessões sempre me deixaram mais nervoso que os demais temas do horror)


... evitei assistir ao filme por muito tempo. Assim como “O Exorcista” – sendo estes dois livros/filmes bastante diferentes na temática e na abordagem, mas que usam o cramulhão cristão tal como a cultura católica o pintava.

Quando finalmente tomei coragem – numa tarde com a janela do apartamento aberta, lá por aqueles dezesseis anos – não foi sem um medo medo nervoso desse livro. Não um receio maravilhado, como aquele dos filmes de vampiro Christopher Lee, ou mesmo A Sentinela dos Malditos (uma cópia mais baratinha do filme A Profecia), ou os livros de Stephen King, ou o Fortim, de F. Paul Wilson. Estou falando de medo mesmo.

A história começa com o embaixador Jeremy Thorn (que no filme se chama Robert, ao que entendo ser um nome muito mais à altura de Gregory Peck e de um diplomata) descobrindo que o filho que esperava com sua esposa Katherine nasceu morto. Ele recebe a proposta de um religioso de aceitar uma criança cuja mãe morreu no parto, para criá-la como seu filho. Jeremy não quer que sua esposa sofra, então aceita a proposta. Cinco anos se passam e o pequeno Damien (um nome tão bem escolhido que várias pessoas ao redor do mundo acreditaram de verdade que era a alcunha bíblica do anticristo) se torna um garotinho quase comum, mas é quando coisas estranhas começam a acontecer. E os sinais de sua verdadeira origem pululam ao redor da família.

É engraçado quando um filme ou livro que você gosta acaba fazendo com que busque mais informações sobre o tema da história, sobre a produção, sobre o autor. Com A Profecia a coisa funcionou ao inverso comigo – terminado o livro (e, anos depois, o filme) – eu não queria saber de absolutamente nada daquilo. Mas esse “engraçado” que começa este parágrafo se torna interessante e irritante quando percebemos que certas informações começam a dançar na sua frente. É como quando alguém lhe diz para NÃO pensar em um copo d’água. Tenho certeza de que ele lhe veio à frente dos olhos agora. Pois que várias informações (inúteis) sobre The Omen começaram a saltar na minha frente para alimentar aquele medo idiota (o do garoto encolhido debaixo dos cobertores numa noite quente, suando como o diabo no caldeirão). Entre essas, a Maldição The Omen, uma espécie de maré de azar que, dizem, persegue a equipe do filme desde a produção.

Contam coisas como um acidente de avião num dos jatos que Gregory Peck pegaria para viajar durante as filmagens. O ator (cujo filho suicidara-se anos antes) desistiu da viagem e entregou para a morte alguns executivos japoneses que alugaram o táxi aéreo.

Também dizem que um dos adestradores dos babuínos na cena em que Katherine leva Damien ao zoológico teria morrido no mesmo dia, atacado pelos animais.

E que o Exército Revolucionário Irlandês explodiu uma bomba no hotel em que Richard Donner (diretor do filme) se hospedava... entre outras coisas sinistras nunca conferidas, o que rendeu ao filme esse marketing de boca a boca maldito (repetido anos depois com Poltergeist, de Tobe Hooper).

E, claro, ajudou a vender o livro, que foi escrito depois do roteiro.

De qualquer forma, quando se é adolescente, essas notícias não precisam ser verificadas, elas se tornam reais na sua cabeça e você passa a acreditar que o simples ato de ler o livro ou assistir ao filme já lhe traria um pedaço daquela maldição demoníaca – furada, no fim das contas, porque se um dos efeitos do azar do filme foi entregar a Richard Donner a cadeira de diretor de Superman, dois anos depois, então alguma coisa está falhando nessa profecia.

Aqui entra a sutileza que o diretor tentou (mas nem sempre conseguiu) imprimir ao filme: Richard Donner queria sugerir que Damien pudesse mesmo ser o filho do demônio, mas incutindo na mente da plateia que talvez fosse tudo coincidência, que estávamos diante de uma família em crise, de uma esposa com problemas psicológicos – talvez uma depressão pós-parto atrasada. As mortes ao redor do menino nunca são ligadas diretamente a ele (talvez o acidente de sua mãe, numa das sacadas da luxuosa casa em que vivem) e se trouxermos a maioria dos acontecimentos à luz da razão, teremos que admitir que, talvez, assim como nosso cérebro força a barra para fazer com que notemos com mais atenção coisas cotidianas de um assunto que acabamos de ouvir/ler/ver, toda a explicação sobrenatural seja apenas... forçação de barra.

Mas é claro que não é - não no caso do livro/filme. O garoto grita e esperneia e parece sofrer quando vai entrar numa igreja. Os sinais nas fotos do fotógrafo Keith Jennings (vivido no filme por David Warner, que protagoniza aqui uma das decapitações mais famosas do cinema – dizem por aí que ele levou para a casa a cabeça arrancada em sua cena, e que a perdeu para a ex-mulher quando se divorciaram – isso só pode ser sacanagem, falação sem sentido) antecedem mesmo as mortes de alguns personagens, como a do padre que estava presente e ajudou no verdadeiro parto de Damien, como a dele próprio. As coincidências e sinais vão se somando a e conclusão é óbvia – de fato, acho que Richard Donner pode até ter tentado escamotear o elemento sobrenatural, mas a tentativa saiu pela culatra, já de cara, quando a sinistra babá do moleque se apresenta, assumindo aquela postura anti-Mary Poppins que dá arrepios.

No final original pensado por David Seltzer, o pai conseguia matar o anticristo no altar da igreja. Morria ele também, encerrando a história da família Thorn. Mas o medo da censura e a sugestão do chefe da Fox (Alan Ladd Jr.) de deixar o final em aberto possibilitaram duas continuações (bem chinfrins) e um ar ainda mais demoníaco ao filme. O que me traz ao fim deste embate com A Profecia – inicialmente, o filme/livro se chamaria O Anticristo, mas os produtores achavam parecido demais com O Exorcista e que escrachar o tema nas fachadas dos cinemas talvez espantasse a plateia mais religiosa (e os mais medrosos, como eu). O filme foi rebatizado para A Marca de Nascença – um nome furreca demais e que caiu por terra quando a produção estava filmando numa maternidade em Roma e o título incomodou mães, pais e funcionários do local, porque poderia estigmatizar o hospital. Daí para Omen (cuja tradução mais próxima é Presságio, mas que não tem a força de Profecia, considerando as profecias apocalípticas sugeridas pelo enredo) como título provisório que acabou definitivo.

No fim das contas, posso garantir que A Profecia não me traz mais medo, não a este senhor de quarenta e sete anos. A esta altura da vida, já sei que os produtores tomaram emprestado a campanha bem sucedida da Maldição do Filme Exorcista para fazer o filme parecer mais interessante. Já sei também que os versos que o padre Tassone (que no filme se chama Brennan) recita não são bíblicos de verdade, foram inventados por David Seltzer, que inclusive já deu entrevistas confirmando que só escreveu aquela bobajada toda porque precisava da grana – e que ainda fica espantado com tanta gente que credita naquelas idiotices.

Mais ainda, assisti à refilmagem pasteurizada de 2006 e achei chata (até dormi em algumas partes). Portanto que encarei outra sessão de The Omen no DVD e uma leitura mais adulta pouco antes de me sentar aqui para digitar estas considerações.

E agora vou parar porque o sol quente da tarde já se foi e a noite está caindo. Melhor subir correndo (é apagar a luz e dar no pé) e me enfiar debaixo do cobertor!

Só espero não sonhar com aquele garotinho no enterro do pai, olhando para trás e sorrindo... daquele jeito.



Jefferson Sarmento é escritor da Tramatura, autor de A Casa das 100 Janelas, Relicário da Maldade, Alice em Silêncio... e colaborador da Casa de Tramas.

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