TUBARÃO: 50 ANOS
- Jefferson Sarmento
- 19 de ago.
- 4 min de leitura
O primeiro BLOCKBUSTER do cinema
O cinema tem seus momentos de virada — aqueles instantes em que a tela se torna maior que o próprio filme. Em 20 de junho de 1975, um tubarão branco emergiu das profundezas do imaginário coletivo e mudou para sempre o modo como assistimos, tememos e celebramos o cinema. Tubarão, dirigido por um jovem Steven Spielberg, não foi apenas um sucesso estrondoso: foi o primeiro grande blockbuster da história, um divisor de águas que redefiniu Hollywood e deu início a uma nova era de espetáculos.
Mas como nasceu essa criatura cinematográfica que continua a morder a memória do público meio século depois?
Apenas um peixe, mas...
Antes do filme, havia o livro. Peter Benchley, jornalista e ex-fuzileiro naval, estava prestes a desistir da carreira literária quando imaginou uma história simples e brutal: um enorme tubarão branco transformando uma pacata cidade litorânea em banquete. Escreveu parte do romance em um antigo galinheiro convertido em escritório, sem imaginar que estava prestes a dar vida a um dos maiores fenômenos editoriais dos anos 1970.
Jaws foi publicado em 1974, permaneceu quase um ano na lista de mais vendidos do New York Times e vendeu milhões de exemplares antes mesmo de o tubarão ganhar corpo na tela. O livro já era um sucesso; o cinema, porém, o tornaria eterno.

O desafio de Spielberg

Quando Spielberg foi chamado para dirigir Tubarão, tinha apenas 26 anos. Recém-saído de Encurralado, telefilme onde um caminhoneiro sem rosto perseguia um motorista indefeso, ele enxergou no peixe assassino a mesma essência: pessoas comuns diante de um leviatã implacável.
A escolha parecia ousada demais. O jovem diretor chegou a hesitar, temendo ficar rotulado como “o homem dos monstros”. Mas a aposta dos produtores Richard Zanuck e David Brown foi certeira: Spielberg transformaria dificuldades técnicas em pura magia cinematográfica.
Três tubarões mecânicos em tamanho real foram construídos para as filmagens em Martha’s Vineyard. E todos falharam miseravelmente. Afundavam, emperravam, ficavam à deriva. “Bruce” — apelido dado em homenagem ao advogado de Spielberg — virou piada interna de tanto dar dor de cabeça.
A falha técnica, entretanto, gerou uma solução brilhante: o terror invisível. Sem poder mostrar o monstro o tempo todo, Spielberg recorreu à sugestão — a barbatana, os barris amarelos sendo violentamente arrastados no mar, o silêncio interrompido pela música de John Williams. Foi nesse limite entre o visível e o imaginado que nasceu o verdadeiro medo. Hitchcock teria se orgulhado.

O coração humano do filme
Se o tubarão é a sombra, os três homens no barco Orca são a luz — ou, ao menos, a humanidade frágil diante do abismo. Martin Brody, o chefe de polícia deslocado no mar; Matt Hooper, o cientista idealista; e Quint, o caçador marcado pelo trauma da guerra.
É na boca de Quint que nasce uma das falas mais poderosas do cinema: o relato sobre o naufrágio do USS Indianapolis, onde tubarões devoraram centenas de marinheiros. O monólogo, escrito a várias mãos e eternizado pela atuação visceral de Robert Shaw, resume em minutos todo o horror que o filme busca transmitir. É a lembrança de que monstros existem, mas os maiores medos são sempre humanos.
Duas notas que se tornaram sinônimo de suspense e o nascimento de um Blockbuster
Duas notas. Apenas isso. Um padrão alternado, grave, ameaçador. John Williams concebeu uma trilha que parecia batimentos cardíacos, respiração acelerada, presença inevitável. Spielberg achou que fosse uma piada até perceber que ali estava o coração do filme. A trilha não apenas acompanhava o tubarão: ela era o tubarão. Tanto que, na cena final, quando o monstro surge sem aviso musical, o choque é absoluto. Williams ganhou o Oscar e, com ele, eternizou um dos temas mais reconhecíveis da cultura pop.
Quando estreou, Tubarão não apenas levou multidões aos cinemas — ele as ensinou a fazer fila no verão, transformando a estação em sinônimo de grandes lançamentos. Foi um sucesso crítico, um sucesso de bilheteria e um sucesso de marketing. O filme arrecadou quase meio bilhão de dólares mundialmente e segurou o trono de maior bilheteira até Star Wars surgir em 1977.
Mais que números, Tubarão consolidou um novo modelo de cinema: campanhas agressivas, lançamentos em larga escala, expectativa coletiva. Foi o primeiro rugido de uma máquina cultural que ainda hoje define o que chamamos de “grande estreia”.

Meio século depois: o legado de Tubarão
Cinquenta anos se passaram, mas Tubarão continua a nadar nas águas profundas da imaginação. Para celebrar, novos documentários, exibições especiais e até a reaparição do barco Orca foram promovidos em Martha’s Vineyard. Spielberg, Dreyfuss e outros envolvidos voltaram a revisitar a obra, reafirmando seu legado. Mais do que um filme de terror, Tubarão é uma aula de cinema: prova de que a tensão nasce tanto do que se mostra quanto do que se esconde. Prova de que duas notas podem ser mais aterrorizantes que uma orquestra inteira. Prova de que, às vezes, a falha de um tubarão mecânico pode criar um clássico eterno.
Tubarão não envelheceu, fuja de quem ousar uma heresia destas. É o filme que inventou o verão cinematográfico, que redefiniu o suspense, que lançou Spielberg ao Olimpo dos diretores. Um marco que mostra como o medo, quando compartilhado na escuridão de uma sala de cinema, pode se tornar espetáculo, rito, cultura.
E se, ao entrar no mar, você ainda sente um frio na espinha e imagina a sombra de uma barbatana sob a superfície, não se engane: é porque, meio século depois, Tubarão continua vivo.
E sempre estará.
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