Revisitando O EXORCISTA
- Jefferson Sarmento
- 19 de ago.
- 3 min de leitura
de William Peter Blatty
O horror dentro de casa
O verdadeiro terror não se esconde apenas em castelos distantes ou florestas sombrias. Ele pode surgir no espaço mais íntimo e familiar: o lar. É ali, no núcleo protegido da família, que William Peter Blatty instala o mal absoluto em O Exorcista. Mais do que um romance de possessão, a obra é um drama teológico que interroga a fé, a resiliência do amor e os limites da razão diante de uma força obscura que invade o corpo de uma criança.
Pais preparam filhos para enfrentar os perigos do mundo exterior, mas e quando o inimigo surge de dentro? Quando a ameaça se insinua no íntimo de quem amamos, aproveitando-se de nossas distrações? Essa sensação de fragilidade e invasão é a força motriz da narrativa de Blatty.
A genialidade do livro está em situar um conflito “cósmico” — o Bem contra o Mal — em um cenário cotidiano, com personagens que poderiam ser nossos vizinhos. Essa proximidade torna o horror palpável. Diferente do impacto imediato do filme de William Friedkin, a experiência literária é mais introspectiva e psicológica, uma descida gradual ao abismo.

O autor e a fé
Formado em uma universidade jesuíta, William Peter Blatty carregava inquietações teológicas e filosóficas que marcam toda a obra. Inspirou-se em um exorcismo real, ocorrido em 1949, envolvendo um adolescente de 14 anos. Relatos de padres jesuítas e médicos — arranhões nas paredes, objetos levitando, palavras que surgiam na pele do garoto — impressionaram o escritor. Mais do que o espetáculo dos fenômenos, foi a seriedade dos testemunhos que alimentou sua escrita. O Exorcista nasce, portanto, de uma necessidade de confrontar as grandes questões da existência: o mal como prova da presença de Deus.
Blatty conduz sua narrativa com precisão metódica. Primeiro, o cotidiano: Chris MacNeil, atriz, vive com a filha Regan, entre afeto e rotinas domésticas. Em seguida, surgem ruídos no sótão, o amigo imaginário “Capitão Howdy”, o frio inexplicável no quarto. Tudo pode ser explicado — ratos, encanamento, pesadelos. O humano resiste ao sobrenatural.
O ponto de ruptura vem na famosa festa, quando Regan profere a terrível profecia para o astronauta convidado “Você vai morrer lá em cima!”, urinando diante de todos. O horror íntimo se torna público.
Segue-se então a peregrinação médica, longa e frustrante: cada exame falha, cada diagnóstico abre caminho para a aceitação do inexplicável. Quando sugerem o exorcismo como terapia de choque, Chris encontra o padre Damien Karras, psiquiatra e jesuíta em crise de fé.

Karras encarna o conflito entre ciência e religião, dúvida e crença. Inicialmente cético, só se rende quando o mal atinge seu ponto mais vulnerável: a lembrança da mãe. Sua jornada é marcada pela impotência diante de provas racionais e pela necessidade de decidir com base na fé. É nesse momento que entra o padre Merrin, o veterano, cuja certeza absoluta contrasta com a hesitação de Karras. O quarto de Regan se torna o palco final: claustrofóbico, sufocante, uma arena espiritual onde o exorcismo se desenrola.
Temas e simbolismos de O Exorcista
Podemos dizer que O Exorcista não é apenas terror, mas uma verdadeira encarnação de dilemas universais, como a Fé x Dúvida, explicitada na crise existencial de Karras; aqui nós temos é o coração da obra! Mas ela passeia também pelos dilemas entre a Ciência e o Sobrenatural, com os limites da medicina diante do inexplicável; e, claro, o Mal como prova do Bem – o objetivo do demônio é corroer a esperança, destruir a compaixão e a humanidade. Regan, a inocência corrompida, torna-se campo de batalha. Sua violação simboliza o ataque ao sagrado da alma humana: mas, por outro lado, é justamente a crueldade dessa Mal que corrompe aquilo que leva a os personagens a se abrigar no outro lado da moeda: a fé!
A prosa de Blatty é precisa, quase clínica. O mesmo rigor usado para descrever exames médicos é aplicado aos fenômenos sobrenaturais. Essa escolha estilística confere ao impossível um caráter documental, tornando-o mais verossímil e aterrador. Não há gótico romântico aqui: há luz fluorescente, há frieza hospitalar, há pavor em pleno cotidiano.
Sacrifício e redenção
A conclusão do romance não oferece provas irrefutáveis da existência de Deus, mas um ato humano de entrega: o sacrifício de Karras. O triunfo não se dá pelo argumento, mas pelo amor que resiste ao desespero. O Exorcista nos deixa com uma questão perturbadora: diante do mal absoluto, a fé não é ideia, mas ação.
Mais de cinquenta anos após sua publicação, a obra permanece viva porque continua a nos forçar a olhar para dentro — para a dúvida, para o medo, para a fragilidade — e nos perguntar: até onde vai nossa fé?
Comentários