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Robert Bloch: Do Necronomicon ao Motel Bates

  • Foto do escritor: Jefferson Sarmento
    Jefferson Sarmento
  • há 5 dias
  • 4 min de leitura

A Jornada Sombria de Robert Bloch: discípulo de Lovecraft e mestre do horror psicológico, o escritor atravessou décadas reinventando o medo, da tumba esquecida aos corredores do inconsciente.

Robert Bloch

Quando Robert Bloch começou a escrever, ele ainda era um adolescente curioso, fascinado pelas sombras e pelos mitos de uma literatura que florescia nas páginas baratas das revistas pulp. Seu primeiro conto, “Lilies”, foi publicado na Marvel Tales no inverno de 1934, mas foi no ano seguinte, em maio de 1935, que ele estreou na Weird Tales, a casa-mãe dos mestres do insólito, com dois contos: “A Festa na Abadia” (na edição de janeiro) e “O segredo da tumba” (de maio). E foi ali que sua trajetória verdadeiramente começou.


Weird Tales
Capa da Weird Tales de maio de 1935, onde "O segredo do túmulo foi

Mais do que uma simples publicação em uma das revistas mais lendárias do horror, “O Segredo da Tumba” marca o início da aproximação literária de Bloch com H. P. Lovecraft — uma relação que já existia nas cartas que os dois trocavam e que se tornaria uma ponte criativa entre duas gerações do horror cósmico. O conto, embora breve, está carregado por muitos dos elementos que Bloch herdaria do mestre de Providence: o medo do legado ancestral, a loucura transmitida pelo sangue, a presença opressiva de algo antigo e inominável escondido sob a superfície da realidade.


Nesses primeiros textos, já percebemos um Bloch com voz própria, mesmo que ainda reverente aos ídolos. A estrutura de “O Segredo da Tumba” é simples: um homem investiga a história de sua linhagem e se depara com um segredo enterrado — literalmente — em uma tumba familiar. A influência lovecraftiana está ali, não apenas nos temas, mas no tom quase ritualístico da narração. No entanto, Bloch suaviza a densidade barroca de Lovecraft, optando por uma escrita mais direta, com um ritmo ágil e um senso de clímax eficiente. Não à toa, o conto permanece relevante e pode ser lido hoje na antologia Gritos de Horror #001, da Tramatura, que resgata esse momento inaugural do autor com o devido cuidado e respeito editorial.




Gritos de Horror
Você encontra "O segredo do túmulo" na primeira edição da Gritos de Horror!

A partir desse ponto, Bloch constrói uma carreira sólida, marcada por uma transição notável: do horror sobrenatural ao psicológico. Durante as décadas de 1940 e 50, ele se afasta progressivamente das criaturas tentaculares e das maldições de manuscritos profanos, para explorar as sombras do comportamento humano. O medo se desloca do cosmos para o cotidiano — e isso muda tudo.


É nesse espírito que surge, em 1959, seu romance mais famoso: Psycho (Psicose). Inspirado vagamente na figura real de Ed Gein — o assassino do interior dos Estados Unidos cuja história também inspiraria O Massacre da Serra Elétrica e O Silêncio dos Inocentes —, o livro mergulha num território inexplorado até então: o horror da mente perturbada, o terror escondido atrás de uma fachada comum.


Norman Bates é um jovem solitário que cuida de um motel isolado e vive à sombra da figura autoritária de sua mãe. O enredo, aparentemente simples, conduz o leitor a um labirinto de identidade, repressão e violência. Psicose foi revolucionário por não depender de elementos sobrenaturais: todo o horror reside em algo absolutamente humano — e, por isso mesmo, mais assustador.




Psicose
Poster de Psicose, o filme de Hitchcock

A adaptação para o cinema, dirigida por Alfred Hitchcock em 1960, transformou o livro num ícone cultural. Reza a lenda que o produtor e diretor comprou os direitos depois de ler um exemplar recém-lançado e que mandou um assistente varrer a cidade atrás de todos que encontrasse: não queria que ninguém mais lesse, garantindo o segredo do final e evitando que o público soubesse demais. A famosa cena do chuveiro — que nas páginas do livros não chegam a ter a mesma intensidade gráfica — tornou-se uma das mais icônicas do cinema. E Bloch, embora ofuscado momentaneamente pelo brilho de Hitchcock, garantiu seu lugar na história da ficção de terror.


Mas nem Psicose, nem os thrillers que viriam depois, eliminaram da obra de Bloch seu senso de humor sombrio, sua inclinação para o grotesco e sua habilidade de provocar desconforto com precisão cirúrgica. Mesmo nos contos mais modernos, há sempre um resquício daquele jovem que escrevia sobre tumbas esquecidas, heranças malditas e pesadelos herdados — mas que agora reconhecia que os verdadeiros monstros, às vezes, atendem pelo nosso próprio nome.


A jornada de Robert Bloch é, em si, um espelho da evolução do horror no século XX. Ele começou entre deuses antigos e bibliotecas malditas, guiado pela pena de Lovecraft, e terminou revelando o abismo que habita o cotidiano. “O Segredo da Tumba” e “Psicose” são dois polos de uma obra vasta, inquieta, sempre em busca de novos caminhos para o medo.


Revisitar esse percurso — como fazem edições como Gritos de Horror #001 — não é apenas um exercício nostálgico, mas um mergulho necessário na gênese de um dos autores mais versáteis e influentes do gênero. Porque, no fim das contas, como o próprio Bloch gostava de lembrar: “Apesar de tudo, continuo sendo aquele garoto de 17 anos, assustado com o que pode haver atrás da próxima porta.”



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