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A GUERRA DOS MUNDOS, de H.G. Wells

  • Foto do escritor: Jefferson Sarmento
    Jefferson Sarmento
  • 22 de jun. de 2021
  • 4 min de leitura

Atualizado: 24 de jun. de 2021

Ninguém teria acreditado, nos últimos anos do século XIX, que este mundo era atenta e minuciosamente observado por inteligências superiores à do homem...

Pois este senhor de olhos tranquilos e sorriso de bom cidadão aterrorizou seus vizinhos enquanto escrevia uma história sinistra, sobre seres de Marte que não apenas vinham à Terra, mas tinham intenção de conquistá-la dizimando a população de formas terríveis.


Herbert George Wells contava a eles, rindo, como cada pessoa seria aniquilada, das formas mais assombrosas, dolorosas e cruéis que podia pensar. Já era um escritor consagrado quando se mudou para a localidade de Woking, no condado de Surrey, ao sul da Inglaterra. Casado pela segunda vez, passeava de bicicleta pelos campos tranquilos do distrito, enquanto imaginava o horror causado por uma invasão não de alemães (o medo concreto daquele fim de século que já caminhava para a I Grande Guerra), mas de... marcianos!


Wells fora um estudante de ciência, aluno de Thomas Henry Huxley (biólogo e antropólogo defensor ferrenho das ideias de Darwin) e estreou no mundo dos livros com uma publicação sobre biologia, portanto que usava as novidades científicas, muitas delas de conhecimento público, para dar estofo às suas histórias. Pois foi com a observação de uma estranha luz com origem em Marte, feita por um astrônomo francês, que o senhor Wells (já com A Máquina do Tempo, de 1895, A Ilha do Dr. Moure, de 1896, e O Homem Invisível, de 1897, na bagagem) começou a contar sua guerra de mundos.

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Os alienígenas já haviam estado por aqui antes, em outras histórias - na maioria delas como observadores, em contatos quase filosóficos e cheios de ensinamento. Portanto que H. G. Wells talvez seja o precursor dos ataques de extraterrestres, das invasões que dizimam milhões!

A história do livro é um relato não de uma guerra em si, mas de uma invasão massacrante! A Inglaterra era a grande potência do mundo então e sua frota naval era a mais temida dos mares. Nenhum exército era páreo para o poderio britânico. No entanto, já existia um clima de "fim de ciclo" com a ascensão alemã crescente, a aliança dos franceses com os russos e todos os movimentos políticos e econômicos da Europa que culminariam com o atentado perpetrado por Gavrilo Princip contra o arquiduque austro-húngaro e sua esposa Sofia, mais de quinze anos depois da publicação de A Guerra dos Mundos. O medo de uma guerra, de uma invasão, a xenofobia, o horror a povos estranhos era o grande trauma do inglês médio no fim da Era Vitoriana.

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Pois foi para esse cidadão assustadiço que Wells escreveu sua invasão marciana, usando um narrador que poderia ser seu vizinho, o sujeito que você vê todas as manhãs indo comprar pão, passeando de bicicleta, cuidando de seu jardim. Ele é um escritor de filosofia com poucos méritos, um homem comum que testemunha os acontecimentos e é carregado por eles aos poucos e, por fim, aos trambolhões de fuga. Desde o "disparo" dos grandes tubos vindo de Marte, até as confusões ao redor de onde aquelas formas (que eles primeiro acreditam serem meteoros) caem... E então testemunhamos em seus relatos a primeira morte, as seguintes, a estranheza e horror com que encaram os invasores e suas cascas metálicas, cheias de tentáculos, com seu raio de calor e superioridade incontestável das armas extraterrestres, o exército destruído, a fuga desesperada da população — primeiro das cidadezinhas vizinhas e, em pouco tempo, de todo o sul da Inglaterra, chegando a Londres e quiçá ao mundo!


O ponto de vista de A Guerra dos Mundos é desse homem comum — ele não é um herói em uma jornada, mas uma formiga, um inseto que se reconhece a espécie inferior diante do invasor imbatível. Essas comparações darwinianas vão tomando conta da narrativa e do desespero do narrador de forma crua — não estamos falando de um grande personagem, tampouco: o que importa aqui nesta invasão são os acontecimentos!


Tanto que o final feliz com ares de Deus ex machina pode parecer estranho a quem está acostumado à jornada de Joseph Campbell, mas é o desfecho perfeito e ele é construído passo a passo por Wells. Ele não surge do nada: as pistas vão sendo deixadas ao longo de todo o mergulho do narrador em sua condição de menor, de inferior, de ser que deve aprender a respeitar os outros seres inferiores a ele, porque já não é o mestre, não é mais o ser criado à imagem de Deus para governar!


Falando de si mesmo, como humano, o narrador entrega a senha para o fim da invasão.


H. G. Wells vai além, esfregando a ciência nos cornos da religião com seu cura, seu padre cheio de defeitos e irracionalidades desprezíveis, de atitudes vis e egoístas e sovinas e hipócritas diante do poder do conhecimento, da ciência, da inevitabilidade da morte pura, crua e simples! E, ironia, a mesma crença de que fala com desdém e arrogância é usada pelo narrador em seus momentos de desespero e solidão.

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A Guerra do Mundos, além de diversão imbatível, é um estudo sobre a barbárie a que nós, humanos, somos capazes para sobreviver: da próxima vez que você assistir a um desses filmes de zumbis em que os vivos em fuga lutam entre si, mentem, enganam, traem, matam, manipulam... saiba que H. G. Wells já falou sobre isso muito antes.


Ah! A título de curiosidade: a história foi lançada originalmente em capítulos num periódico inglês, uma forma bastante comum de fazer as histórias chegarem ao público naquela época (também era assim no Brasil). A compilação em livro viria posteriormente. O fato inusitado de A Guerra dos Mundos é que, quase ao mesmo tempo em que os ingleses conheciam a destruidora força dos marcianos de Wells, uma versão não autorizada corria os Estados Unidos, mudando a ambientação da invasão para Boston.


Era o ainda insipiente mercado editorial estadunidense sedimentando seu caminho de conquista utilizando-se das formas mais picaretas que podia...

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